Pessoal, uma pausa para aprender sobre um gênero textual que eu adoro, a Crônica.
O que é
Crônica
Crônica é uma narrativa
histórica que expõe os fatos seguindo uma ordem cronológica. A
palavra crônica deriva do grego "chronos" que significa
"tempo". Nos jornais e revistas, a crônica é uma narração
curta escrita pelo mesmo autor e publicada em uma seção habitual do periódico,
na qual são relatados fatos do cotidiano e outros assuntos relacionados a arte,
esporte, ciência etc.
Os cronistas procuram descrever os eventos relatados na crônica de
acordo com a sua própria visão crítica dos fatos, muitas vezes através de
frases dirigidas ao leitor, como se estivesse estabelecendo um diálogo. Alguns
tipos de crônicas são a jornalística, humorística, histórica, descritiva,
narrativa, dissertativa, poética e lírica. Uma crônica relata acontecimentos de
forma cronológica e várias obras da literatura são designadas com esse nome,
como por exemplo: Crônica de um Amor Louco (de Charles Bukowski) e Crônica de
uma Morte Anunciada (da autoria de Gabriel García Márquez).
A crônica argumentativa consiste em um tipo mais moderno de
crônica, no qual o cronista expressa o seu ponto de vista em relação a uma
problemática da sociedade. Neste caso específico, a ironia e o sarcasmo são
frequentemente usados como instrumento para transmitir uma opinião e abordar um
determinado assunto.
Na crônica humorística, o cronista escreve o texto apresentando
uma visão irônica e bem humorada dos acontecimentos. Na literatura brasileira,
escritores brasileiros que se destacam neste tipo de narrativa são Fernando
Sabino, Luis Fernando Verissimo, Millôr Fernandes. Alguns outros famosos
cronistas são Arnaldo Jabor, Martha Medeiros, Rubem Braga, entre outros.
No contexto de relação com o tempo, surgem as chamadas "doenças
crônicas", um indicativo de que tais doenças podem acompanhar o indivíduo
ao longo da sua vida.
Veja um exemplo de uma Crônica:
A Última
Crônica
A caminho
de casa, entro num botequim da Gávea para tomar um café junto ao balcão. Na
realidade estou adiando o momento de escrever. A perspectiva me assusta.
Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais um ano nesta busca do
pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um. Eu pretendia apenas recolher
da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano, fruto da convivência, que
a faz mais digna de ser vivida. Visava ao circunstancial, ao episódico. Nesta
perseguição do acidental, quer um flagrante de esquina, quer nas palavras de
uma criança ou num incidente doméstico, torno-me simples espectador e perco a
noção do essencial. Sem mais nada para contar, curvo a cabeça e tomo meu café,
enquanto o verso do poeta se repete na lembrança:“assim eu quereria o meu
último poema”. Não sou poeta e Estou sem assunto. Lanço então um último olhar
fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma crônica.
Ao fundo do
botequim um casal de pretos acaba de sentar-se, numa das últimas mesas de
mármore ao longo da parede de espelhos. A compostura da humildade, na contenção
de gestos e palavras, deixa-se acentuar pela presença de uma negrinha de seus
três anos, laço na cabeça, toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou
também à mesa: mal ousa balançar as perninhas curtas ou correr os olhos grandes
de curiosidade ao redor. Três seres esquivos que compõem em torno da mesa a
instituição tradicional da família, célula da sociedade. Vejo, porém, que se
preparam para algo mais que matar a fome.
Passo a
observá-los. O pai, depois de contar o dinheiro que discretamente retirou do
bolso, aborda o garçom, inclinando-se para trás na cadeira, e aponta no balcão
um pedaço de bolo sob a redoma. A mãe limita-se a ficar olhando imóvel,
vagamente ansiosa, como se aguardasse a aprovação do garçom. Este ouve,
concentrado, o pedido do homem e depois se afasta para atendê-lo. A mulher
suspira, olhando para os lados, a reassegurar-se da naturalidade de sua
presença ali. A meu lado o garçom encaminha a ordem do freguês. O homem atrás
do balcão apanha a porção do bolo com a mão, larga-o no pratinho — um bolo
simples, amarelo-escuro, apenas uma pequena fatia triangular.
A negrinha,
contida na sua expectativa, olha a garrafa de coca-cola e o pratinho que o garçom deixou à sua frente. Por que
não começa a comer? Vejo que os três, pai, mãe e filha, obedecem em torno da
mesa um pequeno ritual. A mãe remexe na bolsa de plástico preto e brilhante,
retira qualquer coisa. O pai se mune de uma caixa de fósforos, e espera. A
filha aguarda também, atenta como um animalzinho. Ninguém mais os observa além
de mim.
São três
velinhas brancas, minúsculas, que a mãe espeta caprichosamente na fatia do
bolo. E enquanto ela serve a coca-cola,
o pai risca o fósforo e acende as velas. Como a um gesto ensaiado, a menininha
repousa o queixo no mármore e sopra com força, apagando as chamas.
Imediatamente põe-se a bater palmas, muito compenetrada, cantando num balbucio,
a que os pais se juntam, discretos:“parabéns
pra você, parabéns pra você…” Depois a mãe recolhe as velas, torna a
guardá-las na bolsa. A negrinha agarra finalmente o bolo com as duas mãos
sôfregas e põe-se a comê-lo. A mulher está olhando para ela com ternura —
ajeita-lhe a fitinha no cabelo, limpa o farelo de bolo que lhe cai no colo. O
pai corre os olhos pelo botequim, satisfeito, como a se convencer intimamente
do sucesso da celebração. De súbito, dá comigo a observá-lo, nossos olhos se
encontram, ele se perturba, constrangido — vacila, ameaça abaixar a cabeça, mas
acaba sustentando o olhar e enfim se abre num sorriso.
Assim eu quereria a minha última crônica: que fosse pura como esse
sorriso.
(Fernando Sabino. In: Para gostar de ler. São Paulo: Ática, 1979-1980.
Interpretação
01) Que
tipo de narrador o texto “A última crônica” apresenta?
( )
narrador personagem ( ) narrador observador
02)Retire do primeiro parágrafo as informações abaixo:
a) Quem entra no botequim?
b) Onde fica o botequim?
c) Em primeiro lugar, entra no botequim para quê?
d) Na verdade, o que ele faz nesse lugar?
e) O que ele deseja?
3)Em que parte do texto, o autor
afirma que os homens do seu tempo são o assunto de suas crônicas?
4)Qual é a cena que o
autor vê? Quais são os personagens que dela participam?
5) Há no texto uma
passagem que denota claramente a pobreza dos personagens. Qual? Comente-a.
6) Que sentimentos o
autor expressa para com a personagem-menina, ao usar os diminutivos -
arrumadinha, negrinha, menininha, fitinha -? Qual será a intenção do autor?
7)Qual a passagem do
texto que mostra o desprezo do dono do botequim para com a família?
8)O que a passagem acima
relacionada suscitou em você?
9) Comente a última frase
do penúltimo parágrafo.
10) Que tipos de
sentimento este texto despertou em você?
11) Qual a mensagem que
este texto trouxe?
12) Como você explicaria
o último parágrafo?
13) Por que esse texto se
classifica como uma crônica?