terça-feira, 18 de março de 2014

Memórias Literárias


Trabalhando Memórias Literárias

Memórias literárias são textos produzidos por escritores que dominam o ato de escrever como arte e revivem uma época por meio de suas lembranças pessoais. Esses escritores são, em geral, convidados por editoras para narrar suas memórias de um modo literário, isto é, buscando despertar emoções estéticas no leitor, procurando levá-lo a compartilhar suas lembranças de uma forma vívida. Para isso, os autores usam a língua com liberdade e beleza, preferindo o sentido figurativo das palavras, entre outras coisas. Nessa situação de produção, própria do gênero memórias literárias, temos alguns componentes fundamentais:

·       Um escritor capaz de narrar suas memórias de um modo poético, literário;

·       Um editor disposto a publicar essas memórias;

·       Leitores que buscam um encontro emocionante com o passado narrado pelo autor, com uma determinada época, com os fatos marcantes que nela ocorreram e com o modo como esses fatos são interpretados artisticamente pelo escritor.

A situação de comunicação na qual o gênero memórias literárias é produzido marca o texto. O autor escreve com a consciência de que precisa encantar o leitor com seu relato e que precisa atender a certas exigências do editor, como número de páginas, tipo de linguagem (mais ou menos sofisticada, por exemplo, dependendo da clientela que o editor procura atingir).
 
Exemplo:
 
 
O tempo, o chiado e as flechas
Aluno: Jhonatan Oliveira Kempim
Professor: Alan Francisco Gonçalves Souza
Escola: E. M. E. F. Teobaldo Ferreira – Espigão d’Oeste (RO)

 
Era no tempo das matas virgens. Os espigões de Espigão d’Oeste eram cobertos de cerejeiras, mognos, cedros, jatobás, ipês e de imensas castanheiras. Os rios e igarapés tinham vida e eram limpos. O sol nascia e se punha na maior paz. Ao dormir, podíamos ouvir o silêncio da noite que só era rompido pelos bramidos de macacos e de onças-pintadas. Morávamos em uma casa de madeira lascada de amburana. Ainda não existiam serrarias. O chão era de barro batido e o telhado, de folhas de buriti. Pelas frestas das paredes o vento nos visitava, deixando nossas noites sempre fresquinhas. Andava pelas matas ouvindo os sonoros cânticos dos pássaros. Olhava para o céu e via a moldura que envolvia a natureza.
Por algum tempo tive a certeza de que aqui era o paraíso. Era um território indígena. Era o paraíso da tribo Suruí.
Daquele tempo, do que minha mente não me escapa, foi a manhã do dia 17 de julho do ano de 1973. Fazia um calor insuportável. O sol ardia vermelho no céu, a fumaça ardia cinzenta em meus olhos e as fuligens desciam como se chovesse... Havia queimadas por todos os lados. Precisávamos de pasto. Queríamos o progresso. Na cozinha somente uma cuia, uma moringa, duas panelas de pedra e uma panela de pressão ornamentavam o ambiente junto do fogão a lenha.
Nessa manhã, meu filho mais velho brincava no terreiro e eu, dentro de casa, preparava o almoço. Meu marido havia saído com outros homens para fazer derrubada. Ouvi o primeiro chiado da panela de pressão que cozinhava o feijão. Observei a sombra da bananeira para marcar o tempo do cozimento... Foi esse o tempo que jamais queria que tivesse existido... Foi esse o tempo que jamais me esqueci...
Pela janela avistei Júlio César apanhando goiabas... A panela ainda chiava... Olhei mais uma vez para o quintal e Júlio César estava sentado a comer as frutas. Tudo era muito calmo... A panela ainda chiava... O tempo. O chiado. A flecha... Fiquei perplexa... A panela chiava... Júlio César não comia mais as goiabas, elas estavam espalhadas ao seu redor... A panela chiava... Fiquei surda e muda... Não ouvi mais chiados, não falei mais nada, não pensei mais em nada, não queria ver mais nada... O tempo parado. Eu surda. E meu grito:
— Nãoooooooooo...
O tempo me mostrou mais uma flecha, como a outra, certeira. Ela também veio fazer morada ao lado da anterior, na garganta do meu filho. Minhas trêmulas pernas me levaram ao encontro de algo que parecia mentira. Queria que tivesse sido apenas um sonho. Não foi sonho. Era tão real quanto a fuligem negra que cobria meu corpo; tão real quanto o vermelho do sol e dos meus olhos que agora ardiam não só pela fumaça, mas também pela dor; era tão real quanto o vermelho que passeava para fora do corpo de meu filho.
O chiado trouxe as flechas das mãos de um assustado suruí inocente, que foi combater o estranho e acabou tirando a vida de Júlio César. Foi o chiado, estranho som que não fazia parte daquele paraíso habitado por inocentes índios, araras, macacos e onças-pintadas. O desconhecido assusta. O chiado assustou o índio. A flecha me assustou.
Hoje me assusto ao olhar nossos espigões cobertos por pastos, abrigando uma ou outra castanheira e alguns ipês, sobreviventes árvores que resistiram às ações dos seus desconhecidos brancos. Imponentes árvores que assistem ao progresso das casas sem frestas para dar passagem ao vento, protegidas por grades e cercas elétricas. Imponentes árvores que assistem à falta d’água dos rios e dos igarapés. Imponentes árvores que encantam nossos olhos. Imponentes árvores que se fazem vivas para assistir ao maravilhoso espetáculo desse nosso céu rondoniense. Maravilhoso céu que presenciou o tempo, o chiado e as flechas. Maravilhoso céu que é meu cúmplice... Maravilhoso céu que divide comigo o sumiço da panela de pressão.
 
(Texto baseado na entrevista feita com a senhora Terezinha Von-Rondon Gonçalves.)
Interpretação:
01-Que o principal acontecimento que marcou a narradora? Por quê?
02-Que você sentiu ao ler a história? Justifique.
 
03-Que personagens aparecem na narrativa?
 
04-Que parte da história chama mais sua atenção? Por quê?
05-Em que tempo acontece a narrativa?
 
06-Em que espaço acontece a história?
07-O texto apresenta o narrador personagem ou o narrador observador? Justifique com elementos do texto.
08-Que expressões do texto demonstram que o narrador está se lembrando de algum fato?
 
09-Que sentimentos são expressos durante o enredo?
10-Hoje, que acontecimentos são registrados no lugar onde vive o narrador?


 
 

 

 

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